sexta-feira, 26 de abril de 2024

Uma linha contínua

Sons vindos de Venus que orbita o íntimo do nosso espaço. 

Atmosfera circular que transita, formando um traço.

Saturno, com anéis, dançando no mesmo passo.

Gravidade ideal, envolta como que em um abraço.

Medida em anos luz, trajetória continua: um laço.

Tipos 4

Talvez sejam teus olhos a brilhar... 

Enquanto vejo teu retrato, 

A sensação de encontrar, 

(na doçura desse fato) 

Um lugar pra chamar de lar.

Esse desejo nato, descobre no momento exato, que 4 é número par.

sábado, 13 de abril de 2024

"O relógio falou comigo"

 

Foi em uma manhã de outono, sentado em minha cadeira de balanço, que os eventos que narro aqui aconteceram. Atesto-os com toda certeza e posso jurar perante ao Juiz que tudo o que ocorreu não passa da mais concreta realidade. Era uma quinta-feira, eu lembro como se fosse ontem, ainda que tenha sido semana passada. Eu havia colocado a chaleira no fogo e preparava uma farta xícara de chá de erva doce. Não qualquer chá de erva doce, há um segredo neste meu chá que compartilho com vocês: 3 raspas de gengibre, nem uma a mais. Raspas finas, é preciso uma faca assiduamente amolada. Assim, preparei a mistura e em alguns minutos um sonoro apito ecoo pela cozinha. Sou uma pessoa que se assusta fácil, meus amigos podem comprovar (quantas histórias hilárias sobre isso...). Num sobressalto larguei a faca que caiu sobre o móvel da cozinha. Não me subestimem, não me feri ou causei qualquer avaria. Sou assustado, mas também perspicaz. Delicadamente preparei a infusão de chá e gengibre derramando a água sobre meu pequeno bule preto. Este é mimo pessoal. Pessoal por dois motivos. O primeiro é que se trata de um pequeno bule que serve uma porção de chá que atenderia apenas uma garganta. O segundo é que fora um presente meu para mim mesmo e acreditem, isso é pouco comum para uma pessoa do meu feitio. O cheiro já havia preenchido a cozinha e agora rumava para a sala. Da mesma forma que eu, munido do pequenino bule preto e uma xícara escolhida aleatoriamente da prateleira, me sentei na referida cadeira de balanço.

Sou um homem simples, mas como dizem, “de bom gosto”. Minha mobília é peculiar, comprada em vendas de garagem e leilões: apenas itens antigos, madeira maciça, puxadores ornamentais e superfícies entalhadas. De frente a cadeira se encontra uma lareira de tijolos a mostra e sobre ela uma base de madeira mogno onde enfileiro toda sorte de souvenirs. Como deixei de comentar este detalhe! Gosto de viagens e em cada uma busco trazer uma peça que remeta a momentos únicos. Uma pequena estátua de um cão, duas colheres de metal, uma esfera colorida, um pequeno baú que guarda 2 moedas da Irlanda... são muitos itens, não faz sentido lista-los aqui para os propósitos deste relato. Entretanto, o mais importante deles ainda não disse: um relógio, redondo, anexado a uma base retangular. Nada extraordinário. Sua origem é antiga, não saberia datar, muito menos soube o vendedor daquela loja do interior. Seus ponteiros muito firmes soavam tictacs que podiam ser ouvidos do quarto. Vejam, não sou de me incomodar como tais estímulos, ao contrário, são como um pêndulo daqueles usados para hipnotizar pessoas. Muitas vezes fico ali, ouvindo. Outras, me sento na cadeira de balanço e fico observando. Sim, é aqui que tudo começa. Acompanhem.

Assoprava o chá para esfriar quando meus olhos deslizaram da xícara para a lenha queimando. Das chamas, como que por associação, meu olhar repousou naqueles benditos ponteiros. 09h35. Que magia era aquela, me perguntei. Como esse protótipo construído por mãos humanas é capaz de me dizer sobre o tempo? Quer dizer, é a passagem das eras, o tenro passado, o temido futuro. Tudo ali, em duas varetas que se alinham e se desalinham constantemente. Pasmem, essa inquietação não foi nada comparado ao que viria nos segundos seguintes.

Beberiquei com cuidado o chá, o aroma entrou pelas minhas vias aéreas e se espalhou rápido pelo meu interior. Assim como os tictacs, incessantes, cadenciados, rítmicos e imparáveis. Algo parecia diferente nesta manhã, eu estava ouvindo, mas com os ouvidos de dentro. Ora, quem me conhece sabe que não sou uma pessoa versada em medicina, mas meus conhecimentos de anatomia e fisiologia são suficientes pra saber que não há “ouvidos internos”, mas ainda assim insisto: estava ouvindo com outro tipo de órgão sensorial, seja lá qual seja esse. Ouvi cada tic e cada tac dentro da minha cabeça. Os sons foram se misturando, da mesma forma que nossa imagem se distorce no espelho quando a olhamos por muito tempo. Nessa distorção – aqueles que já tentaram saberão – vemos formas e contornos jamais vistos e nos questionamos sobre nossa percepção. Da mesma forma lhes digo, o relógio conversou comigo. Sei que o absurdo se encontra na margem de todo pensamento lógico e talvez meu barco a vela tenha ido longe demais, mas insisto: o que eu ouvi foi real.

-Sabe que você não pode ser... Disse o relógio. Apenas ouvi, pois não acreditava no que ouvia.

-...feito pra correr. Continuou. Cada palavra soando junto com as batidas do relógio.

-Vê se tem pra que, você ter que ter tanta pressa de morrer.

Nessa hora meu coração acelerou. As palavras eram nítidas e a mensagem parecia direcionada a minha pessoa. Digo, o relógio me aconselhava em algo muito pessoal. Me aconselhava? Talvez me questionava em algo que reside no âmago do meu ser. Uma nova pergunta entre tantas: como saberia disso tudo? Ah, aqui lhes peço perdão, não posso relevar com detalhes o que contem em “disso tudo”, apenas fiquem com a informação de que é algo extremamente relevante. Tomei coragem e engatei um diálogo com o relógio. Escrever essa última frase custou todo meu ceticismo.

-Diz-me, tu que me ouve todos os dias falar da vida, tu que repousa sobre o calor do fogo, tu que com duas notas dita o ordenamento da realidade, o que quer de mim?

-Quero que saia do canto que está. Assim corre pra rua que não sabe onde vai dar.

-O que isso quer dizer? Repliquei.

-Conto cada dia que tem, só pra saber que entre andar e correr é questão de saber.

-Eu não entendo, tuas metáforas são complicadas pra mim... Disse quase em tom de súplica, pois sentia ali uma sabedoria.

-Em cada caso pare para não matar, não mate o tempo que tem pra falar. Quem tem o que pode sabe que pode parar.

Duas lágrimas correram nesse momento. Eu entendi o que o relógio disse, mas com o coração de dentro. Não aqueles de átrios e ventrículos, mas com aquele que compõe a mesma fisiologia do ouvido interno. Insisti por respostas mais diretas:

-Tu que já viveu os pretéritos, que vislumbra o futuro, como posso parar quando meu coração acelera, quando meus olhos me cegam e minha cognição se esvai?

-É certo que sua cegueira resida no medo da perda. Mais falta faz quem se vai quando vem de esguelha, tropeça e cai na ponta do pé. O tempo trapaça.

-Sim! Gritei aos prantos. Por que faz isso comigo?! Por que... faz... Parei no meio da frase, pois lembrei do dia que comprei este relógio. Como poderia esquecer, me gabo de boa memória. Tantos relógios na parede e no balcão. Escolhi por sua estética antiquada, como alguns já me disseram, mas todos ali tinham a mesma função. O nobre trabalho de contar horas para que nós, viajantes do tempo, não nos perdêssemos em qualquer nostalgia aguda ou preocupação com o que está além da próxima curva. Sim! Continuei. Tu fazes exatamente o que faz, me conta as horas, as meias e os quartos. Dizendo isso, sorri.

-Tudo tem quando não me tem. A tentação de ter se perde no fim. É certo que tudo que acaba se inicia assim.

Como que um estalo de dedo, a frase me fez sair daquele transe. A xícara estava pela metade e o chá frio. Repousei a louça na mesa de centro. Peguei o relógio e o atirei nas chamas. Impulsivo, podem julgar. Assim também me julguei. Logo molas se soltaram e pularam pelo fundo de concreto. Vi os ponteiros derretendo e os números se misturando entre si, virando nada.

Não esperava esta reação de mim, nenhuma dessas na verdade, por isso este relato é tão importante. Sou ponderado e comedido, mas o relógio sabia que no coração interno cada susto que levava era sentido como um rompimento do tecido temporal. Filosofia barata, dirão meus interlocutores? Não ligo. Apenas peço que acreditem quando digo: o relógio falou comigo e depois deste dia me livrei de todos os relógios da casa. Não por medo ou qualquer superstição. Do contrário, jamais ouvi palavras tão acertadas. Ah! Mas o que mais poderia esperar de uma máquina que marca o tempo exato. Ai está, meu tempo é vacilante, pendular. Quero ver além de olhar, sem ter que responder ao mestre dos ponteiros, sem esperar respostas exatas. Não, não para mim, jamais gostei de contas. Este é um começo.

domingo, 24 de março de 2024

Logo ali

A língua toca o céu da boca, 

Em loop, duas vezes, para duas sílabas. 

Em milissegundos, Lilith ao lado de Lúcifer. 

Delírio lúcido longe do paraíso louco,

Além das linhas que se laçam sós, 

Bastam duas sílabas, lentamente tocando o céu

E a língua diz: nós, logo estamos lá

domingo, 18 de junho de 2023

"Are you hiding away, lost, under the sewers?"

Eu, diminutivo de mim mesmo, pequena parte do todo.
Recorte metonímico, refiro a mim pela metade.
Engrandeço o fracasso não experimentado, destaco a frustração potencial do engodo,
Me apresento como quem não ganha, mas sem dizer que perco de verdade.
Tento a todo custo, tomando cuidado para conseguir me afogar no lodo.
Chego no limite, desafio-o, trapaceio. Ganho sem ter do vencedor a autoridade.
Me orgulho da perda, enalteço o sacrifício e exercito o incômodo.
Mas no fundo, só não quero perder ou ganhar como qualquer um, sem iniquidade.
Quero a lama na cara e os louros da guerra, mesmo aquela em que me explodo:

Para o soldado ferido, que se levantem monumentos!
Para os desejos por mim evitados, que escutem os meus lamentos!
Acho que nada sou ao invés de ter certeza.
Mais fácil seria crer que até o esgoto tem sua beleza.

Não posso evitar, engulo minha ânsia por ganhar enquanto jogo dados por azar, sem saber que resultado vai dar. 

quinta-feira, 25 de maio de 2023

Navegando em mar aberto

Por um caminho arenoso deixo meus pequenos passos,
Trecho estreito, de longas ramas verdes e galhos marrons.
Uma via de mão dupla. No chão, outros pés se somam aos rastros.
De repente um clarão e o mundo se abre, novas cores e sons.

Não fosse minha curiosidade! Não fosse a vontade de juntar pedaços!

Adiante a imensidão: o azul do mar e o branco das nuvens compondo tons.
Sinto o vento tocar meu rosto e as pegadas agora formavam traços,
Linhas soltas que, tingidas pela maresia, me traziam sentimentos bons.
Em meio a este espaço, acolhido como que por um abraço, diante do mar, formando laços.

quarta-feira, 19 de abril de 2023

Oceânica

Ela é como o mar, oceânica.
Inteira e peninsular.

Dela emana a aura solar, vulcânica.
Intensa e a se descasular.

De delírio interestelar, epifânica.
Atenta, a observar.

Oceânica como o profundo do mar que eu amo admirar.
Oceânica, como gosto de a chamar.