O jovem príncipe deixou os portões do castelo usando seu habitual traje de passeio. As reforçadas botas marrons, a calça amassada, a camisa de gola bufante e o alinhado colete de cetim. Indumentária pouco usual para um pequenino. Não, era mais do que não usual, era contraditória: vestes tão velhas para um jovem futuro rei. Contudo, isso pouco importava naquela tarde primaveril, o castelo ficara pra trás enquanto marchava rumo ao inesperado.
O mundo era grande a sua volta, grande demais para seus pés pequenos, mas sentia que a bravura em seu peito era maior. Puxou as mangas da camisa e seguiu decidido. Seu objetivo era simplesmente conhecer tudo o que pudesse. Estava farto da vida real, de suas regalias, pompas e compromissos, sentia de alguma forma que queria mais. Felizmente, permissões para deixar o castelo todas as tardes não foram difíceis de conseguir, afinal, adquirir conhecimento fazia parte de sua preparação para o trono. Contudo, em troca prometeu ser cuidadoso e honrar o horário de seus compromissos. Assim, nesta tarde, como nas demais, andou seguindo seu instinto.
Não era um daqueles dias radiantes onde os animais dão as caras e as abelhas ziguezagueiam pra lá e pra cá. Era um dia comum, cortado por um vento lento e contínuo que eriçava as folhas da grama quando passava. O príncipe desviava de um galho no chão quando se deparou com uma árvore antiga cujo tronco se projetava tão alto que parecia tocar o céu. Há um metro do chão, em sua casca, se encontrava um buraco, talvez uma toca, uma marca do tempo ou das intempéries. Tudo isso passava por sua mente inquieta que tudo registrava e que lhe instigou a meter a cara e gritar um saudoso "olá". O som ecoo por toda a extensão do tronco, fazendo-o vibrar. Alguns animais pareceram se assustar na copa e fugiram. Folhas caíram, inclusive, sob a cabeça do pequeno, enfeitando seus negros cabelos encaracolados. Ele também havia se assustado com a força de sua voz e o incomodo de perturbar a harmonia daqueles seres o afetou. Procurou se recompor limpando as vestes e tirando as folhas da cabeça, olhou uma última vez para a árvore e prosseguiu de onde havia parado.
Seus passos eram vacilantes e seus pensamentos intensos. Achou sua curiosidade perigosa, não para si, mas para os outros. Não temia que sua sede pela descoberta o fizesse cair de qualquer precipício, mas que empurrasse alguém para um. Isso! Seus motivos eram nobres, como os de um rei! Prezava pelo cuidado e proteção daqueles cujos muros do feudo eram abrigados. Deveria proteger a todos, inclusive de suas próprias decisões! Por este motivo deveria ser justo e sagaz, compreensivo e respeitoso. Estufou o peito e sentiu o ouro cobrir seu coração de nobreza, afinal, estava mais próximo de seu grande objetivo que era se tornar... Ele próprio havia se interrompido, pois ele próprio havia se tapeado com as histórias que imaginaram para ele, com o papel que a ele havia sido designado. Chacoalhou a cabeça e repetiu em voz alta: "meu grande objetivo é conhecer tudo que eu puder! Eu irei conhecer cada cor, cada sabor e cada aroma. Vou desvendar os mistérios da vida e da morte, talvez até encontre o elixir da vida eterna!" Sentiu o ouro devolver o lugar do vermelho que preenchia seu coração e foi ao final de seu monólogo que justamente algo vermelho chamou sua atenção.
Do que já havia visto até aquele momento de sua vida, pouco tinha atraído tanto seu olhar. O jovem príncipe se aproximou das margens daquele lago que cortava a floresta e se abaixou para ver de perto. Era uma rosa de frondosas pétalas vermelhas. Seu tom era intenso e realçado por um brilho de beleza hipnótica. Talvez fosse o efeito visual do orvalho ou talvez aquela fosse uma rosa mágica. Resolveu se sentar a frente dela para observar melhor. Foram poucos minutos para que a observação se tornasse admiração e se passaram horas desde que enunciara com tanta determinação seu propósito. Estava tarde e ouviu ao longe o sino soar seis badalas: o fim da jornada havia chegado ao fim, mas um novo dia nasceria.
Dia após dia ele voltou para ver a rosa. Já havia decorado os padrões de suas pétalas, a largura de suas folhas e a espessura de seus espinhos. Passava horas debruçado com as mãos apoiadas no rosto admirando a rosa e não foi necessário mais do que uma semana para que a admiração se tornasse amor. Começou a trazer papéis e tinta, com os quais fazia desenhos e extensas descrições. Arriscou ainda alguns versos tímidos. Imaginava que a rosa ouvia as batidas de seu coração, como se escutasse tambores ecoando longe na floresta. Por sua vez, pensava que o coração dela própria também batia forte como as badaladas de um sino. Pulsando forte. Um sino... um sino... Naquele dia havia perdido a hora. Pior, já não era mais dia, era noite e temia pelo que poderia acontecer.
Cinco dias se passaram para que o príncipe pudesse voltar a ver a rosa. Em cada um deles esperava pelo momento em que poderia sair novamente, vê-la novamente. Nesta tarde, suas vestes estavam menos engomadas do que de costume e parecia mais ofegante e preocupado. Fez o caminho habitual e logo se abaixou para encontrar aquela que ocupava seus pensamentos. Lá estava, em toda sua beleza, exalando o mais doce aroma a sua volta. Entretanto, mesmo diante dela, as feições do rosto do pequenino estavam tristes, quase nostálgicas - sentimentos tão velhos para alguém tão jovem. Parecia ter pressa, ao mesmo tempo que uma inquietação revelava um desejo contido de dizer algo. Chegou mais perto da rosa e reuniu todo ar que podia em seus pulmões: "partirei amanhã, ao nascer do sol, uma viagem para conhecer a extensão de nossas terras... devo ser acompanhado, orientado... disseram que minhas explorações são infantis e perigosas...". Neste momento reuniu mais um pouco de ar, dessa vez para conter as lágrimas que se misturavam às palavras: "queria que fosse comigo, mas não posso te tirar daqui, não posso feri-la...". Fechou os olhos e compreendeu algo muito mais nobre que os deveres reais, algo que marcaria toda sua vida, e assim anunciou para si mesmo em voz baixa: "devo cuidar de quem amo, protegendo inclusive de minhas próprias ações". Se aproximou ainda mais da rosa e sentiu seus lábios tocarem aquelas aveludadas pétalas carmesins. Beijou-a durante a eternidade de um instante, tão longínquo quanto sua memória, preservado por décadas em sua mente, tão vivo e tão real quanto fora um dia.
O castelo estava cheio naquela noite, pois um baile anunciava a chegada da primavera. O momento era de celebração e todos esperavam uma colheita frutífera naquele ano. Aqui e ali rostos sorriam e corpos dançavam. Taças de vinho eram erguidas e risadas ecoavam pelo salão. O rei então se juntou aos convidados usando sua habitual camisa de gola bufante e o alinhado colete de cetim. Seus longos cabelos negros encaracolados estavam presos em uma fita. Muitos o cumprimentaram com reverências e acenos, mas fora uma figura há alguns metros adiante que havia lhe chamado a atenção: usava um delicado vestido que combinava perfeitamente com seus cabelos ruivos. A mulher se aproximou lentamente quando seus olhos de lince encontraram os do rei. Neste instante hipnótico, eterno como o próprio tempo, seus corações bateram fortes e, num gesto quase involuntário, o rei lhe estendeu a mão, convidando-a para dançar. Nem mesmo por um segundo deixaram de se olhar e seus movimentos possuíam a sintonia de uma intimidade de outrora, apaixonadamente conhecida. Assim, dançaram por horas, meias, quartos... Tão rítmico quanto um relógio, tão raro quanto o passado e tão vivo quanto o presente. O rei fechou os olhos e pensou "não se trata do que acontece, mas de quando acontece".