quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Plano Ω

Se entre as flores eu não puder estar é lá onde irei ficar,

Se entre os anjos não for meu lugar é exatamente lá onde irei morar.


Cansado de ser o rei de lugarnenhum, quero o repouso dos campos, o vento soprando brando.

Onde a paz exista por si só, onde o tempo não transcorre...

Se meus esforços forem em vão, então, não terão sido. 


Se nada mais for possível, que o castelo dos meus sonhos seja real.


"Como uma bússola, os ponteiros do relógio apontam para o fim de mais um dia".




sábado, 27 de agosto de 2022

É como se não fosse

 


-...real.

-É, mas como se não fosse?

-Isso. Como se o que eu quisesse não fosse, sei lá, importante. Como se fosse sempre um capricho de criança.

-Capricho... Logo você que disse tantas vezes aqui ser alguém caprichoso...

-Sim! Sim! Caprichoso! Nossa...

(silêncio)

-Mas quando eu capricho as coisas parecem reais. Digo, eu posso ser caprichoso escrevendo um texto no trabalho e isso parece realmente ser... Qual é a palavra? Importante! Só que quando se trata da minha vontade, não sei, parece sempre... bobo?

(silêncio)

-É como se fosse besteira... Por exemplo: se eu preciso escolher algo para comer, o fato de ser uma escolha minha... a sensação é estranha. Sempre que eu me vejo no lugar de exercer minha vontade pareço bobo, fico envergonhado de...

-De...?

-Ser...

-Ser... Como se não fosse... O que tem aqui?

-Acho que... parece uma história inventada, uma brincadeira com tempos verbais, uma história como essas que eu escrevo. E se eu escrevo não é real. É real, mas é como se não fosse, entende?

(silêncio)

-Explico: se o presente for uma invenção de algo escrito antes, não é, mas é como se fosse. É uma comparação com algo criado, não é real...

-Real?

-Genuinamente real.

-Escrito antes? Não entendo.

-Isso, na minha cabeça, aquilo foi escrito, pensado, imaginado, é uma ficção! Isso, uma ficção elaborada por mim! Então, quando eu chego no restaurante, é como se eu só encenasse minha história. Não sou eu pedindo, no presente, sou eu encenando na minha peça. Que vergonha, que besteira meu pedido!

-Hum. O que você esperava?

-Nem vem! Eu sei para onde você tá apontando, eu já te conheço! Não é esse o ponto. Veja: é sobre a minha experiência de sujeito, a forma como existo nesse mundo que me parece algo extremamente bobo. Não são todas as coisas, é o que eu quero, o que eu faço fora do cronograma do dia-a-dia. Os extras! É como se eles fossem banais demais, talvez nem dignos de serem feitos.

-Seu desejo não é, mas é como se fosse. Seu desejo é “bobo”. O que você tá fazendo com seu desejo?

-Como assim...? Diminuindo?

(silêncio)

-Não entendi.

(silêncio)

-Se meu desejo não vale tanto, eu não preciso levar ele tão a sério. É como eles diziam “você tá só inventando moda”, só o trabalho é sério, só o adulto é sério (risos). Mas como posso me levar a sério?! É como naquela frase da música “I’m just a boy playing the suicide king”. Então você quer que eu pare de usar essa lógica idiota que usei a vida inteira porque ela é uma desculpa para não bancar o que eu desejo?

-Que eu quero?

-Eu quero, não, é como se eu quise...

-(interrompendo) Vamos ficar por aqui.

 

Relato 76

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Cores


Sou chama que inflama a pele,

Sou onda que rebenta no cais,

Sou raiva que rasga e repele,

No fim, sou o início do “nunca mais”.

 

A cada tempo que toca (agonia)

Me sinto mais sedento e mais voraz.

Ah, se ao menos eu soubesse o que viria...

Sentado, não esperaria pelos presentes angelicais.

 

Sou simples, sou sutil,

Só nos sonhos alcanço a paz.

Lá reino a ruína de um país vil.

Tonto pela possibilidade do eterno ser capaz.

 

Mas acordo com a corda no pescoço.

Cai o castelo de horas atrás.

A rima retorna pro esboço.

Então, aquele que sou já não sou mais...

quarta-feira, 6 de julho de 2022

ELaboração

 




Dois elfos digladiam-se em meio a um vasto campo de batalha.

Movimentos rápidos e precisos. Saltos, piruetas...

Um voo rasante e o elfo mais velho acerta o outro que cai no chão.

Sua recuperação é rápida e a ponta de uma flecha caída ao seu lado serve de arma para uma investida feroz.

Punhos se trocam, se tocam e o cansaço diminui o ritmo da batalha.

Em um momento decisivo o mais novo começa a rir, desconcertando o outro.

-Por que faz isso, elfo?

-Eu não sei.

O elfo mais velho sai da posição de ataque e ambos pousam sob um escudo enferrujado.

O sol do meio dia é impiedoso e distorce o solo arenoso.

O elfo mais novo se deita sobre o escudo:

-Sabe, eu realmente não entendo essa guerra...

-Qual delas? A deles ou a nossa?

-Tanto faz, a guerra... Eu não sei, não deveria nem estar aqui.

-É fácil pra você falar, você não sabe como minha família é rígida com essa história de guerras...

-É... mas, sabe, de alguma forma eu... entendo... que te peguei desprevenido! Enquanto completava a frase jogou um punhado de poeira do escudo contra os olhos do elfo mais velho iniciando novo ataque.

-Você joga sujo! Disse o elfo enquanto tentava se defender. Por que você faz isso?

Enquanto desferia novos golpes, o elfo mais novo assumia uma fisionomia lúdica, quase infantil. Seus olhos, muito redondos, brilhavam, e um sorriso de malícia agora tomava conta de seu rosto.

Com um salto pra trás o mais velho pôde se proteger ao lado de um elmo. Rapidamente sumiu por detrás da velha armadura e então reapareceu, inesperadamente, acertando o outro elfo na cabeça.

-Isso doeu! Exclamou ele.

Enquanto isso, o elfo mais velho ia assumindo sua pose de vitória e, como um sinal de sua nobreza, logo estendeu à mão ao parceiro de combate. Este, por vez, recusou:

-Isso não é justo!

-O contra-ataque ou meu gesto de boa-fé?

-Tanto faz! Disse em tom jocoso. Por que você faz isso?

Nesse breve momento uma brisa passou por entre ambos e um aroma de flores chegou ao íntimo de suas mentes.

-Você sentiu isso?

-Isso, o que?

-Isso, sente... Disse o elfo mais velho franzindo o nariz. São girassóis, reconheceria em qualquer lugar.

O outro elfo se levantou e limpou as vestes há muito gastas devido à luta. Suas asas começaram a bater rapidamente.

-Onde você vai? Exclamou o elfo mais velho. O aroma te suscitou algo?

-Não é isso... Eu só, tenho que ir. Eu disse, não deveria estar aqui... Suas pequenas asas acinzentadas se abriam e fechavam em um ritmo hipnótico e o sorriso havia deixado seu rosto.

-Mas por quê? Retrucou novamente.

-Tenho muito a fazer... Neste momento seus olhos miravam o horizonte e então prosseguiu: É inútil... E antes que me pergunte por que já lhe respondo: É inútil porque uma luta cessa hoje e outra recomeça amanhã. Veja todos estes corpos, seria esse nosso fim?

-Não, não é, não seria e não foi.

-Você fala do tempo como se pudesse entendê-lo.

-Acha que não entendo? Dessa vez eram as asas do elfo mais velho que começavam a bater. Como uma mariposa, suas asas azuladas formavam um desenho ao se abrir, talvez um rosto sorridente ou um mostro aterrorizante, quem saberá dizer... E então voltavam a se fechar.

-Acho que você ficou tempo demais debaixo desse sol. Respondeu.

Ambos estavam preparados para voar e o elfo mais velho perguntou:

-Você não gosta do calor do sol?

-Ele me cega, distorce o espaço e o tempo... O tempo... É isso! Deu um sobressalto e seus olhos se arregalaram: Eu finalmente entendi o porquê.

De súbito suas pernas impulsionaram o voo, deixando um rastro acinzentado.

O elfo mais velho então gritou com a potência de quem tenta alcançar a altura das nuvens apenas com a força dos pulmões: onde você vai?

-Há muito que eu tenho que fazer. Porém havia dito em voz baixa, apenas para si, talvez não tivesse ar suficiente para projetar sua voz até o solo.

Enquanto voava veloz, uma mancha azul anil era vista em meio a uma de suas asas acinzentadas.