-...real.
-É, mas como se
não fosse?
-Isso. Como se o que eu quisesse não fosse, sei lá,
importante. Como se fosse sempre um capricho de criança.
-Capricho... Logo você que disse tantas vezes aqui ser
alguém caprichoso...
-Sim! Sim! Caprichoso! Nossa...
(silêncio)
-Mas quando eu capricho as coisas parecem reais. Digo, eu
posso ser caprichoso escrevendo um texto no trabalho e isso parece realmente
ser... Qual é a palavra? Importante! Só que quando se trata da minha vontade,
não sei, parece sempre... bobo?
(silêncio)
-É como se fosse besteira... Por exemplo: se eu preciso
escolher algo para comer, o fato de ser uma escolha minha... a sensação é estranha.
Sempre que eu me vejo no lugar de exercer minha vontade pareço bobo, fico
envergonhado de...
-De...?
-Ser...
-Ser... Como se não fosse... O que tem aqui?
-Acho que... parece uma história inventada, uma brincadeira
com tempos verbais, uma história como essas que eu escrevo. E se eu escrevo não
é real. É real, mas é como se não fosse, entende?
(silêncio)
-Explico: se o presente for uma invenção de algo escrito
antes, não é, mas é como se fosse. É uma comparação com algo criado,
não é real...
-Real?
-Genuinamente real.
-Escrito antes? Não entendo.
-Isso, na minha cabeça, aquilo foi escrito, pensado, imaginado,
é uma ficção! Isso, uma ficção elaborada por mim! Então, quando eu chego no
restaurante, é como se eu só encenasse minha história. Não sou eu pedindo, no
presente, sou eu encenando na minha peça. Que vergonha, que besteira meu
pedido!
-Hum. O que você esperava?
-Nem vem! Eu sei para onde você tá apontando, eu já te
conheço! Não é esse o ponto. Veja: é sobre a minha experiência de sujeito, a
forma como existo nesse mundo que me parece algo extremamente bobo. Não são
todas as coisas, é o que eu quero, o que eu faço fora do cronograma do
dia-a-dia. Os extras! É como se eles fossem banais demais, talvez nem dignos de
serem feitos.
-Seu desejo não é,
mas é como se fosse. Seu desejo é “bobo”.
O que você tá fazendo com seu desejo?
-Como assim...? Diminuindo?
(silêncio)
-Não entendi.
(silêncio)
-Se meu desejo não vale tanto, eu não preciso levar ele tão
a sério. É como eles diziam “você tá só inventando moda”, só o trabalho é
sério, só o adulto é sério (risos). Mas como posso me levar a sério?! É como naquela
frase da música “I’m just a boy playing the suicide king”. Então você quer que
eu pare de usar essa lógica idiota que usei a vida inteira porque ela é uma
desculpa para não bancar o que eu desejo?
-Que eu quero?
-Eu quero, não, é
como se eu quise...
-(interrompendo) Vamos ficar por aqui.
Relato 76
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