sábado, 19 de novembro de 2011

Isocronismo



O pêndulo vai e volta, do extremo esquerdo ao extremo direito. Vai e volta, vai e volta... Olhos atentos observam o movimento.
Estava ali há algumas horas. Pouco se mexeu do sofá em que estava sentado. Lentamente o pêndulo perde a força, reduz o movimento e finalmente para. Os olhos então se fecham e os braços se encolhem junto ao corpo. Era uma tarde escura e o jovem com algum esforço deita no sofá e se põe a observar o teto da sala. Entre os estágios iniciais do sono e a lucidez ele observa as manchas do teto que se misturam com as sombras projetadas da rua. A rua... Há dois dias não saia de casa. Mas porque sairia... “O mundo é tão cruel...” Pensava ele. A noite se aproximava e seus olhos já haviam se cansado. Logo o sono tomou conta do jovem.
2:00 da manhã. Com um estalo seus olhos abrem. Olha em volta, levanta, a noite parecia convidativa. Corre para o banheiro, toma banho, procura algo para vestir. “Que roupa? Melhor ir preparar algo para comer”, ia o jovem falando enquanto andava pela casa. Deixa algo no forno e volta para escolher uma roupa. “Essa camisa é ótima!”, olhando-se no espelho, sentindo-se glorioso. “Qual dos sapatos? Talvez devesse comprar mais um par nesse final de semana”. Um cheiro de queimado entra por seu nariz e ele lembra que havia deixado algo no forno. 2:20, sai de casa, tal como um lobo que sai da toca para caçar o melhor alimento. “Estou com uma sensação que está noite será incrível!” repetia ele baixinho.
Um barzinho perto de sua casa. Este deveria ser o lugar apropriado. Arruma sua roupa, senta em uma mesa, um gesto com a mão e em alto volume ele pede um whisky. Ao lado estava uma mulher, um pouco mais velha que ele. Deixa o copo e vai sentar ao lado dela. Mostra-se bastante interessado. Entre flertes, conta a ela seus planos empresariais e que está com idéias que lhe trarão muito dinheiro e sucesso. A mulher tentava dialogar com o rapaz, mas este não continha-se, não parava de falar. A situação foi ficando estressante. Ela levanta e vai embora. Arrogantemente o rapaz também se levanta e sai do bar. “Muitas pessoas não conseguem ver um talento mesmo quando este está na frente de seus olhos.”
Deu algumas voltas pela rua. Fazia um clima quente. 3:00, não estava com sono. A rua estava deserta. Andou duas vezes em volta de sua casa. Sentou no jardim. Algumas formigas. “Matei! Matei!” então percebeu que estava tarde para ficar falando alto. Colocou comida para o cachorro e recolheu as cartas que estavam em baixo da porta. Foi andando mais lentamente, consultou seu relógio 5:00, sentou no sofá. Olha para seu Pêndulo de Newton. Puxa um dos pêndulos e solta, iniciando o movimento.
Talvez suas idéias não fossem tão geniais assim, talvez não desse certo... Nada daria certo...
O sol surgiu iluminando a sala, revelando um jovem deitado, inerte, em seu sofá, com roupas formais amassadas e cartas acumuladas em baixo da porta. 

sábado, 12 de novembro de 2011

Deus de Prótese



Prédios e automóveis; o vapor das usinas criando uma névoa que torna o ar denso. O monocromático do meio urbano envolve a vida de muitos indivíduos que se locomovem incessantemente pelo caos da vida moderna.
Um desses indivíduos acorda pela manhã, o despertador o avisa que precisa estar em seu emprego dali duas horas. Ele pega seu celular e pede para sua colega de trabalho ir adiantando o serviço do dia. Outro telefonema para seu chefe que estava em Boston viajando a negócios. Ele levanta e prepara algo para comer. O micro-ondas, em alguns minutos, lhe proporciona alimento que é logo ingerido, pois o relógio avisa que dali uma hora e meia precisa estar em seu emprego. Ele sai de casa, olha para o céu e coloca seu óculos escuro para proteger seus olhos da claridade daquele dia. E assim segue para a empresa.
As duas quadras que separavam sua casa e a empresa eram repletas de veículos grandes e pequenos que transitam pela rua, pessoas que fazem seus percursos a pé, pela calçada, andando, correndo, sons de motores, conversas, buzinas, máquinas. O dito indivíduo sobe uma rua andando pela calçada. As vitrines das várias lojas chamam sua atenção, porém os diversos barulhos competem fazendo com que ele olhe rapidamente para vários lados alternadamente, às vezes até fazendo com que se confunda com o caminho que está seguindo.
Uma nova consulta ao relógio: faltava vinte minutos. Porém, algo de estranho com seu relógio, o visor estava colado em seu braço sem a pulseira. Ele olha, demorando um pouco para entender o que estava vendo. Tenta tirar, mas não estava só colado, havia se fundido a seu braço. Se desespera, precisava tirar e não podia se atrasar. Coloca mais força e nada acontece. Ele olha em volta buscando algo e se depara com um pé de cabra. Tenta pega-lo sem êxito, então percebe que a ferramenta fazia parte de seu braço. O desespero é ainda maior. Olhando para seu braço, para o relógio, ele começa a sentir algo estranho em seu corpo. Sentia seu peito roncar e ouvia um som de motor. Sua orelha esquerda emitia sons de celular e ouvia-se vozes de pessoas falando dentro de sua cabeça. Suas pernas começaram a se encolher e tomar forma de pneus de carro. Ele fica tonto, as coisas a sua volta se tornam digitais, as imagens são de uma página de computador com objetos em 3D. Seus óculos caem e de seus olhos crescem binóculos. Ele olha a frente e enxerga o prédio da empresa que estava ainda muito distante. Tenta ir para frente, mas o pneu esquerdo avança mais do que o direito e ele cai no chão. O outro braço começa a ficar cinza, frio, toma a forma de uma arma. Ele olha com maior nível de desespero, em pânico. Experimenta mexer este braço e consegue move-lo em direção à própria cabeça, mirando o cano da arma diretamente.
Um grupo de pessoas observa o homem se debater no chão, gritando e se contorcendo, mirando o dedo indicador para a cabeça, ninguém poderia entender o sofrimento pelo qual ele estava passando.
            A civilização controlou o fogo e colocou a seu serviço, aprendeu a estar em vários lugares ao mesmo tempo, a ver e ouvir além do que a capacidade biológica lhe permite, venceu a própria deterioração e falha do corpo, venceu a natureza e armazenou uma quantidade ínfima de informações jamais obtidas antes. É onipresente, onisciente e quase onipotente. Mas o que seria deste “Deus” sem as próteses que criou para se assemelhar a Deus? 

domingo, 6 de novembro de 2011

Anexo 1



Como descobrir algo que não é definido claramente? Como por exemplo, o X nessa pequena equação: 2x + 2 = 8.
Primeiramente é preciso considerar todos os elementos a sua volta. Se tentarmos entender X separadamente não chegaremos a nenhum resultado, o X isolado será sempre X, continuando uma incógnita. O próximo passo é observar cada elemento da equação: o que acompanha o X e o que está em volta do X, estabelecendo as relações existentes entre ambos.
Aqui a matemática toma a frente e nos diz o caminho para encontrar o que afinal é o X desta equação: Separamos 2X = 8 – 2, estabelecendo as relações, reduzimos à 2X = 6. Quando o resultado se aproxima de poucos elementos, sendo estes essenciais, é preciso uma atitude radical, em que o X deve ser separado e igualado aos elementos anteriormente relacionados, temos assim: X = 6/2, chegando ao resultado X = 3. Eis a verdadeira face do que se ocultava, mais do que isso, a matéria primeira, a peça que encaixa no quebra-cabeça e da sentido a algo que antes não se entendia.
Me refiro à verdadeira face de algo oculto pelo simples fato de que existem outras equações em que X = 3, porém apresentadas de forma diferente, que a primeira vista não é possível notar que se trata do mesmo X. Por exemplo, a equação 3X +1 = 10. Utilizando o mesmo processo temos 3X = 10 – 1, 3X = 9, X = 9/3 e X = 3. Ou um equação simplificada como: X – 2 = 1,    X = 1 + 2 e X = 3.
Esses são apenas alguns dos inumeráveis exemplos de como X = 3 toma diferentes formas e está em diferentes contextos. Assim, para encontrar o X, a incógnita, aquilo que escapa a compreensão, a decomposição dos fatores ou análise se assim quiserem chamar, se faz necessária. Primeiro por revelar o que não nos é claramente definido e segundo por fornecer uma explicação, um sentido para esse algo sem explicação inicial estar presente dentro de uma equação. Por último, evita rótulos e explicações a partir de ideias pré-concebidas e falsos julgamentos. Uma criança que não seja ainda capaz de resolver equações desta natureza ao se deparar com o problema pode “chutar” um resultado: X = 5 ou X tem que ser somado com o número 2. Atribuindo valores para X que não conferem com o seu valor dentro dessa equação e interpretando erroneamente a função que X possui no todo da equação.
Com os devidos cuidados podemos transpor esse modelo para atos humanos: Como descobrir o que é um ato não compreendido, não claramente definido pela cognição? Como por exemplo, uma mulher estar brincando com uma boneca? Se considerarmos o que acompanha essa mulher, como sua linguagem, vestimenta, objetos e os elementos a sua volta como o jardim, as árvores, a memória existente destes, o sol, o horário, o dia. Estabelecermos relações, realizar articulações e por fim confrontar os elementos mais essenciais, chegaremos a um resultado. Porém sem esquecer que se trata do resultado desta equação, deste contexto, que se colocou deste modo, com esses elementos. Dependendo do nível e do número das equações podemos ter um entendimento datado, preso em um contexto, mas com alguma sorte poderá se perceber que muitas equações são apenas diferentes articulações do mesmo resultado X = 3, outras tantas do resultado X = 1, havendo algumas repetições que ocorrem seguidamente. A transposição do resultado de diferentes equações de diferentes números para diferentes contextos e diferentes atos fica a cargo das teorias psicanalíticas.
Como disse inicialmente, o que é escrito aqui não tem comprometimento estrito com o campo teórico, trata-se apenas de devaneios de alguém que admira a beleza poética dos saberes da mente. Porém, isso não significa que não haja certo nível, às vezes maior, outras vezes menor, de congruência com a literatura. 

Doppelgänger



Em uma tarde ensolarada de terça-feira, sentada em um jardim cercado de árvores, via-se alguém brincando com sua boneca. Com muitos gestos ensinava a boneca coisas sobre o mundo:

-Filinha, vê essas árvores? Elas foram plantadas pelo grande Rei. Ele me disse que quando eu crescer receberei todo o poder que ele possui, como um presente. Conta Luci para sua boneca.

O vento derruba algumas folhas de uma árvore próxima.

-Que sono... vamos dormir?
-Existem pendências no relatório de amanhã. Disse Lisa.
-Eu não sei o que é um r-e-l-a-t-ó-r-i-o. Repetiu Luci copiosamente.
-Os dados da cliente precisam ser vistos.
-Agora eu não quero, estou com sono.
-Os prazos precisam ser cumpridos.
-A única coisa que quero agora é aproveitar esse ventinho bom, olhar os passarinhos cantando e brincar de adivinhar os desenhos das nuvens... Olha! Aquela é uma borboleta.

Algum tempo se passa.

-Como são alegres essas tardes com você filinha. Disse Luci
-Já está ficando tarde. Lisa em tom de seriedade.
-Eu não quero ir agora.

Lisa levanta, olha no relógio, 19:30. O sol não mais iluminava o quintal de sua casa. Observa a sua volta, rapidamente sua consciência é invadida por memórias de um homem sentado no chão, ao lado de uma pequena menina, lhe ensinando como plantar uma muda de árvore. Ela arruma seu terno que havia amassado e se enchido de folhas e murmura:

-Você já pode ir agora, por mais que você tente não poderá fazer nada para trazê-lo de volta para mim...