segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

ELaboração parte 2


Voava cansado o elfo mais novo, o horizonte cada vez mais alaranjado. Seria o crepúsculo daquele dia o presságio do fim.

Apenas voava, em direção reta, olhos muito fixos no além-mar, nada podia contê-lo. Pequenos rastros de vento ficavam para trás com os movimentos rápidos e curtos das batidas de suas asas.

Sentiu um aperto no peito que o fez cambalear, mas seguiu ignorando. Nesta região, as nuvens haviam se tornado mais densas e escuras e foi quando, mais adiante, uma tempestade que se formava o obrigou a não ignorar mais nada.

Chovia forte e as densas nuvens exigiam que o destemido elfo ziguezagueace pelo ar. Manobras rápidas e precisas o levavam em direção a um destino que já não podia mais ver. Quando fixava os olhos a sua frente apenas borrões acinzentados se misturavam ao escuro do anoitecer.

A pressão da chuva o compeliu a manter os braços a frente do rosto. Tentava se proteger, mas, naquela velocidade, cada gota era como uma lâmina afiada. Ao longe se ouvia um ronco no céu. Irado, lançava raios cujas descargas atingiam violentamente o chão abaixo. Um destes irrompeu poucos metros à frente do elfo, que viu uma árvore ser atingida e arder em chamas, mesmo da altura em que voava.

No entanto, sem que tivesse tempo para se recuperar do susto, o raio seguinte fora mais certeiro e atravessou a asa esquerda do elfo. Já não podia mais movê-la. Por mais que insistisse e se esforçasse, a asa simplesmente ficava aberta, inerte, disfuncional... rompida.

Uma súbita sensação de urgência tomou conta do elfo, sua outra asa batia freneticamente criando tons azulados no ar. Como uma estrela cadente, o acinzentado azul anil podia ser visto de longe, sucumbindo. Braços e pernas se sacodiam e nem mesmo todo esforço necessário evitaria a queda do elfo.

Ao contrário do que imaginava, sua queda foi lenta, gradual. Talvez a asa direita tivesse encontrado uma forma de aumentar a resistência do ar, talvez fosse apenas a sensação de que tudo a sua volta estava parando no tempo. Tentava olhar a frente, mas os clarões dos novos trovões mostravam agora o escuro horizonte de uma noite sem lua.

-Eu tinha tanto a fazer! Gritava e repetia.

Não é possível dizer quanto tempo transcorreu até que atingisse o solo. A chuva havia passado e todo seu corpo doía. Sentia cheiro de terra, mas o gosto em sua boca era de sangue. Não podia se mover.

Era madrugada e um vento frio o fez recobrar parcialmente a consciência. Tentou olhar em volta e reconheceu pela vegetação um lugar familiar, ainda que não tivesse certeza qual era. Tentou se levantar, mas, sem sucesso, permaneceu em solo úmido. Um conjunto de vagalumes passou diante de seus olhos. Sua dança hipnotizante fez o elfo mais novo alucinar e de repente viu dragões em volta de um castelo. Tudo desapareceu nos minutos seguintes. Seus olhos estavam cansados e então mais uma vez adormeceu.

Do silêncio absoluto começou a ouvir grilos e sapos orquestrando um tema e uma sensação de calor preenchia sua pele ferida. 

-Por que você faz isso? Perguntou o elfo mais velho sem resposta.

A pergunta chegou aos ouvidos do elfo mais novo como uma melodia rouca e revigorante. Aquele tom, aquela prosódia... Não sabia onde estava, mas sabia que era seguro. Tentou se levantar e olhar em volta: no tronco de uma árvore se encontrava uma confortável morada. A grossa casca guardava do frio e concedia proteção. Não sabia como havia sido feito aquele buraco, mas tinha certeza que a morada e seu morador estavam em perfeita sintonia. Folhas cobriam o chão e pequeninos galhos forravam uma cama onde o elfo mais novo repousava. Enquanto reparava, novamente a melodia preencheu seu interior:

-Naquele dia eu decidi fazer um caminho diferente para casa. Estava olhando pra cima, seguindo uma estrela brilhante, e de repente me deparei com um corpo. Se aproximando do elfo mais novo, prosseguiu:

-Sabe o que é mais interessante? Você chegou por conta própria. Eu até me assustei quando te vi aqui. Nesse momento franziu o nariz e continuou. Foram três dias, sempre que passava por lá te dava água e algumas folhas de courama-vermelha amassadas, parece que fizeram efeito. Bom, efeito para o seu corpo né, não sei quanto a sua mente. Por que você fala dormindo? Quer dizer, são tantas histórias, uma mais louca que a outra, acho divertido. Nesse momento sorria com uma graça única aos olhos do elfo mais novo, que neste momento conseguiu falar.

-Você realmente não sabe como eu cheguei aqui? 

-Você realmente não lembra? Retrucou.

O fato de conseguir falar o surpreendeu, mas não mais do que o de ter ido até o lar de alguém sem um único registro.

-Tá se perguntando sobre o motivo de ter vindo parar justamente na minha casa? Era como se tivesse lido a mente do outro elfo. Olha, você pode ficar, tá tudo bem.

Confuso, o elfo mais novo se sentou e tentou organizar os pensamentos. Sua cabeça ainda doía e não conseguia lembrar... Subitamente seu pensamento foi interrompido por um clarão no céu e o som de um trovão. Começou a tremer quando se deu conta do que havia acontecido. O elfo mais velho então colocou a mão em seu ombro e disse firmemente:

-Estranhos são os mistérios e quente é o sol de Icarus... Logo se levantou e se dirigiu a entrada do tronco. Como eu disse, você pode ficar, sinta-se em casa. Até mais tarde. E saiu.

O elfo mais novo se deitou novamente e ao fechar os olhos voltou a escutar os sons a sua volta. Era capaz de ouvir a madeira envergando com o vento, assim como o som de sua respiração. Por um instante pensou ter morrido e alcançado o além, ou mesmo que estava apenas sonhando enquanto seu corpo jazia inconsciente em algum lugar. O tremor começava a passar e as memórias a se tornarem turvas. O pio de uma coruja ecoo logo acima de onde estava. Não havia nada a temer, nada a combinar ou conquistar. Adormeceu.

Quando deu por si estava em meio a um campo de girassóis, a grama muito verde e macia confortava seu corpo. Sua primeira visão foi a de um elfo que dançava graciosamente entre as flores. O aroma do ar era doce e delicado. Ao notar sua presença consciente, o elfo mais velho o tirou para dançar. Sorria enquanto rodopiavam e saltavam de flor em flor. O elfo mais novo logo estava rindo e dando cambalhotas no ar. Suas asas nunca estiveram tão fortes.

-Sabe o que eu me pergunto, elfo? Iniciou o mais velho. Por que lutar nos campos de batalha quanto podemos dançar num campo de girassóis? Não vai me dizer que está pensando em escudos e espadas?

-Eu não sei. Respondeu o mais novo. Realmente não sabia ou não precisava saber, simplesmente naquele momento não precisava fazer sentido. Fechou os olhos e respirou profundamente. Foi quando os lábios dos elfos se tocaram. 

Quando abriu os olhos, estava deitado. O sol nascia no horizonte. Seria o amanhecer daquele dia o presságio do início?

 

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