quarta-feira, 19 de abril de 2023

Oceânica

Ela é como o mar, oceânica.
Inteira e peninsular.

Dela emana a aura solar, vulcânica.
Intensa e a se descasular.

De delírio interestelar, epifânica.
Atenta, a observar.

Oceânica como o profundo do mar que eu amo admirar.
Oceânica, como gosto de a chamar.




sexta-feira, 7 de abril de 2023

No reflexo da água eu vi


Pensava que o amor era tudo. Um fim em si mesmo, a presença que anula a falta, a totalidade capaz de preencher o vazio.

Pensava que o amor era um ponto final. O fim da solidão, da tristeza, da incompreensão, de tal forma que o amor bastaria.

Pensava que o amor era mudo, sacrificial. O fim de uma busca, um voto em troca da linearidade de um caminho exato e longínquo.

Pensava e, debruçado sobre a margem de um lago, pensei uma segunda vez.


Pensei que o amor é água.

Água que nutre, que promove a vida.

Água onde é possível boiar relaxadamente na superfície ou mergulhar em sua profunda imensidão.

Água que pode ser refrescantemente bebida.

Água que movimenta, desequilibra equilibrando, modifica.

Água que faz a planta crescer e a solidez da pedra ceder.

Água de mar, que se estende e se conecta com o que está longe.

Água de rio, que nasce e busca desaguar em um curso maior.

Água cuja superfície reflete o sol e a lua e, para quem que deseja olhar, também é possível se ver.


Pensei que o amor é o prazer da busca, a eterna aventura do marinheiro que se lança em direção a um sonho, mas que nunca sabe o que irá encontrar no caminho.

Pensei que o amor também é o conjunto de possibilidades infinitas de se encontrar a cada vez que algo afeta seu espelho d'água, criando grandes círculos que se propagam com o passar do tempo.

Pensei que a água está na chuva, nos oceanos e riachos e que está dentro do meu corpo. Desde o gelo do pico montanhoso ou do orvalho da manhã, 

O amor está em tudo.

sábado, 4 de março de 2023

Metalinguagem Pas de Deux

Leio e amo, simplesmente amo.

Cada verso, dito de tão peito aberto.

Cada rima, cada aliteração, o ritmo próprio da prosa.

Cada sentido que se desvela por detrás da frase. 

Cada temor que se esconde no advérbio e cada sonho que se desvela no verbo. 

Cada vez que leio, te sinto. Te encontro em cada R que leio com a tua voz. 


Amo e leio, simplesmente leio.

Cada peito aberto, feito de tantos versos.

Cada ritmo, cada frase, o sentido fiel do amor.

Cada sentimento e o mistério que permanece por trás de todo ardor


Hoje encontrei aquela estrofe sobre a chuva e a linha do horizonte se misturou com a do caderno.

Li, amo

sábado, 25 de fevereiro de 2023

A garota da praia

 

Foi em uma manhã entre os meses de junho e julho quando decidi repousar em uma praia. Era um dia calmo em que as ondas quebravam baixo e um pedra pareceu bastante convidativa para sustentar um corpo cansado em busca de um cochilo. Fechei os olhos e, em um instante, o Deus dos Sonhos me agraciou com sua areia.

            São ruínas de um castelo na encosta do mar, que revolto, golpeia as paredes rochosas. Um ponto branco se destaca, corre em direção ao penhasco e se lança. Uma fita se desprende do vestido de renda e plana no ar. Atrás um relógio gigante surge eclipsando a noite, seus ponteiros giram enlouquecidos e em seu interior um garoto de cabelos longos corre por uma rua de ladrilhos. Então tropeça e cai para fora do relógio: a cena se torna a queda da maçã de Newton. Porém o encontro não é com a grama do solo, tampouco com as rochas ao pé da montanha, mas com a terra de uma pequena ilha. Naufragado, vê o castelo lá de baixo, em uma mão a fita branca, na outra um relógio de bolso. A ilha começa a afundar e o garoto a rezar uma promessa. Segura os objetos com firmeza junto ao peito. Apenas as torres frontais do castelo podem ser vistas. Tudo começa a flutuar e um gosto salgado alcança a língua do garoto. Os olhos marejaram e o ar acaba.

            Acordei com uma onda que alcançara meu rosto. Atônito, tentei respirar o mais fundo que conseguia. O mar havia subido até a altura da pedra que me reconfortava e minhas roupas ficaram molhadas. O sol estava a pino e havia areia em meu rosto. Não poderia imaginar que o mar chegaria até ali, assim como jurava que estava sozinho naquela praia.

Tentei logo me recompor quando notei que havia uma garota que caminhava na praia pegando conchas trazidas pelas ondas. Seus pés descalços deixavam rastros na areia molhada. Seu passo era rápido, mas não agitado ou apressado, assim como o vento que, livre, pode percorrer velozmente longas distâncias se assim desejar. Se continuasse naquele ritmo e naquela direção, inevitavelmente, logo me alcançaria. Contudo, justo quando eu esperava, ela parou e se demorou há alguns metros do meu corpo. Me olhou e, vendo que eu a olhava de volta, apontou para o que julguei ser o horizonte ou talvez fosse para o mar. Imagino que minha expressão desconcertada a tenha trazido júbilo, pois sorriu. Era um sorriso especial que combinava dentes bonitos com a expressão de um afeto que transitava entre a ludicidade juvenil e a malícia burlesca.

Sem que tivesse sido solicitado, me justifiquei: falei sobre estar dormindo e ter sonhado, acordando com a água no rosto. Foi nesse momento que ela se aproximou e se agachou para prestar atenção no que eu dizia. Ao se inclinar, ficou pendurado em seu pescoço um colar feito da junção folhas, cipós e pequenas flores. Seu dorso era bastante delineado, o que para mim lhe conferia um charme singular. Ela me perguntou sobre o sonho e, mais tarde, quando lembrou de um sonho seu, sentou ao meu lado para contar. Nesse instante não pude deixar de reparar no desenho de um castelo em um de seus braços. Uma construção sólida contornada por um delicado pé de amora. Logo meu juízo se perdeu nas figuras oníricas de seu relato. Intrigado, lhe fiz uma série de perguntas, as quais foram seguidas de respostas e novas questões.

Neste pequeno espaço da praia viajamos o mundo, questionamos a origem da vida e a existência do bem e do mal. Descobrimos o segredo do universo para no minuto seguinte rirmos de tamanha audácia e ingenuidade. Falamos sobre nós, sobre a solidão e sobre o amor. E desenhamos na areia as expressões mais íntimas de nosso inconsciente. Foi então que paramos para ouvir o som das ondas. O mar estava calmo, então percebi que sua voz aveludada me passava a mesma sensação de calmaria. Paradoxalmente, não transmitia apenas calma, pois o veludo é tecido que conforta, mas também esquenta. De alguma forma aquela voz era capaz de atingir uma frequência de ondas que podia ser ouvida de dentro: a garota falava pra mim, mas também falava comigo. Ali nos encontramos e foram os olhos que fizeram a mediação. Os dela eram levemente amendoados, da mesma cor dos meus, e em seu interior brilhavam chamas. Nos olhamos, mas tenho certeza que vimos muito além dos sentidos, algo que não consigo explicar com palavras. Nos amamos com a profundidade do oceano, eu e a garota da praia.

            Acariciei seu rosto e ela me beijou. Então levantou e mais uma vez apontou para o horizonte, que entardecia. Ela sorriu o sorriso mais doce e voltou a andar na praia. Corri para procurar meu caderno de bolso e só ao segurá-lo nas mãos lembrei que havia sido molhado horas atrás. Mas precisava escrever as palavras que saltitavam em meu coração. Olhei para os desenhos na areia e, com a ponta do dedo, escrevi ao lado, com a mais bela grafia que a motricidade me permitia:

 Já não tenho que fazer juras se me encontro junto de ti. 

Era hora do sol se pôr. O som das ondas ecoava dentro e fora de mim. Meus olhos marejaram, respirei e senti o ar em todo meu corpo. Sorri assistindo a noite chegar.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Nos trilhos do trem



Por entre florestas e montanhas, acompanhando riachos e rios, uma trilha sólida, delicadamente posicionada com o objetivo conectar lugares distantes, mesmo polos opostos, assim como aproximar aqueles já estão próximos.
    Ligas de aço-carbono com manganês distribuídos em 50%, a composição mais favorável para resistir aos desgastes potenciais.
    Duas linhas que caminham paralelas para sustentar a travessia do trem:
Na cabeça ocorre o contato com as rodas que tocam o trilho;
Na base ocorre o contato com o solo, conferindo estrutura;
Finalmente, a alma faz o contato entre a cabeça e a base.
 
    O trem é uma peça rara. Sua locomotiva a vapor é alimentada por carvão e a capacidade da caldeira é ilimitada. Quem sabe qual velocidade e potência poderia atingir?
    Atrás se encontra o vagão de transporte, uma construção rústica de madeira. Grandes janelas permitem acompanhar cada detalhe da viagem e assentos estofados conferem um conforto sem igual.
    Na ponta, o vagão de carga: uma grande câmara de metal capaz de armazenar e distribuir suprimentos, mantimentos e bagagens.
 
    Cada viagem é única. Partidas, chegadas, pausas para manutenção, viagens ao interior... Trechos curtos, longos, sinuosos, subidas, descidas, grandes retas...
    São tantos destinos quanto estrelas no céu e é aí que o trem mostra sua característica mais especial:
    Toda noite, do alicerce da base, as rodas se soltam da cabeça e se elevam em direção ao céu. Guiado pela lua, cruza as nuvens e alcança a estratosfera. De lá a vista é sublime: astros dançam na imensidão enquanto a terra se torna uma só. Tempo e espaço não mais se aplicam e todo o trem é tomado por um aroma característico de grama fresca. Assim, o trem voa pela imensidão para que então retorne e pouse suas rodas na cabeça novamente, percorrendo viagens pela vastidão.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Poesia à duas mãos ou Sobre o amor

 Amar o mar


Quando me encaracolo em ti

Quando tua voz toca minha alma

Quando estamos juntos, enfim

O maremoto vira calma


Quando te sinto em mim

Quando seu cheiro toca meu ser

Quando estamos juntos, enfim

O amor resplandece seu poder


Amar o mar

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Morrer na praia



Nada, nada, nada.

Sem remos ou rumos.

No profundo do azul, a derrocada:

Restos de barcos póstumos,

Rastros de uma trilha abandonada,

 

Pedaços de uma vela rasgada,

Representando aquilo que realmente somos:

Nada. Nada?

Vejamos:

Nada pela liberdade (desejada).

 

Ainda que pudéssemos manter cada grão de areia na enseada,

Mesmo que estivéssemos na mais firme jangada,

Morremos na praia, mesmo após árdua remada.

Dos ermos da morte jamais haveria escapada.

Retornamos, marinheiro: nada, nada, nada.