domingo, 5 de fevereiro de 2023

Sinal que bate para ir embora

 


Crianças corriam pra lá e pra cá enquanto um som ensurdecedor de sirene ecoava por todos os cantos do colégio. O pátio externo fervia com o sol do meio dia e o marasmo atingia uma certa criança que arrastava os pés enquanto andava em direção à saída.

Não reparou quando uma garota de cabelos encaracolados passou pela sua frente, saltando sobre sua mochila de rodinha para encontrar o pai que adentrara os portões para buscá-la. Não reparou na figurinha amassada aos pés do bebedouro que era puxada e empurrada aleatoriamente pelos pequenos pés que marchavam rumo à liberdade. Teria sido uma figurinha rara? Àquela que completaria sua coleção? Jamais saberia... Não reparou que neste dia em específico o vento dobrava ao sul, e não a oeste, como de costume. Tampouco que seus movimentos lentos a deixavam pra trás, talvez mais do que poderia imaginar.

Pouco a pouco o pátio foi se esvaziando e apenas ecos vinham das salas de aula que agora jaziam obsoletas. O ranger do portão externo fez-se ouvir: o relógio marcava 12h30 e o bedel fechou um dos lados da saída, uma vez que a maioria dos alunos já havia partido... Não fosse por uma criança, estarrecida em frente à saída, olhos fitando o solo quente do asfalto por onde o carro de seus pais jamais passou.

Um professor de alta estatura se aproximou da criança e acariciou seus cabelos, para logo em seguida sair apressado e embarcar em um taxi. Após ele, a diretora, com sua costumeira echarpe azul turquesa, atravessou o portão deixando um sorriso à criança. Logo atrás, a professora de história, a “Tia da cantina”, o professor de artes e a Dona Odete. Esta última, talvez uma professora dos anos mais tardios foi a única que se deteve por um momento para conversar com a criança:

–Ei, onde estão seus pais? Disse ela de maneira empática.

–Eu não sei.

Não foi a resposta que a assustou, mas como cada palavra havia sido enunciada: não havia afeto, não havia direção.

–Hum... Sempre te vejo aqui esperando, mas parece que já passou algum tempo... Alguém está vindo te buscar?

–Eu não sei.

Novamente aquele tom, mas dessa vez cada palavra havia sido escandida. Confusa, a mulher se abaixou e segurou nos ombros do menino.

–Você tá bem? Eu posso te ajudar? Tentou ela.

–Eu não sei...

Fora a primeira vez que a criança dirigiu o olhar a Dona Odete e seu tom havia se tornado profundo, quase reflexivo. A senhora deu um passo para trás, em seu rosto um misto de confusão e desconforto. Assim, prosseguiu tirando uma nota de 10 do bolso:

–Olha, eu preciso ir, liga para os seus pais, daqui a pouco o portão vai ser fechado.

Aflita, ela amassou o dinheiro na mão da criança.

–Se precisar, compra alguma coisa pra comer. Eu vou indo, tá...? Adeus.

Dona Odete atravessou o portão apressada e desapareceu ao cruzar a esquina.

O bedel, que até então não havia demonstrado interesse algum na criança ou na cena que esta protagonizava, decidiu intervir:

–Olha, são meio dia e quarenta, você vai ficar aí o dia todo? Eu tenho que ir embora.

Ele parou um instante para examinar o pátio agora vazio e prosseguiu:

–Eu tenho criança pequena em casa... vou esperar mais 20 minutos, é o máximo que posso fazer por você.

Quando terminou de falar voltou à inércia inicial. Mal reparou que não havia aguardado qualquer resposta de seu interlocutor ou que mal havia o olhado. Talvez, se fosse mais atento, teria visto uma lágrima no canto dos olhos da criança que se encontrava na mesma posição: olhos no asfalto e a mão segurando a nota de 10.

O vento soprava por entre as grades do portão. 15 minutos haviam se passado e o bedel, incomodado, resmungou:

–Escuta, eu vou ligar para os seus pais, você sabe o número?

Sem resposta, insistiu:

–Assim você não tá me ajudando, qual é o seu problema?!

Ainda sem resposta e agora mais exaltado prosseguiu:

–É o seguinte, eu vou fechar esse portão, vou lá em casa dar comida pra menina e daqui 15 minutinhos eu venho abrir o portão. No caminho eu vou passar no posto da polícia e mandar eles virem te ajudar, você me entendeu?

Cada parte de seu plano foi bem enfatizada, como se tentasse ser o mais claro possível ou mesmo como se estivesse falando com alguém de poucos recursos cognitivos.

A criança estremeceu e dirigiu um olhar suplicante ao bedel. O adulto, por sua vez, ignorou qualquer sinal de receio, trancou o portão e foi embora murmurando algo incompreensível. Do lugar deixado vazio pelo bedel, dirigiu o olhar para o relógio na parede: os ponteiros marcavam 16h00.

Batidas de coração se tornaram audíveis, o suor molhava a amassada nota de 10 e o calor estava cada vez mais intenso. A criança balançou a cabeça a apertou os olhos para tentar ver com mais clareza: 16h01, não havia dúvida. Duas reviradas no estômago, cambaleou e se sentou junto ao portão. 16h07, os minutos passavam depressa. A respiração se tornou pesada, vacilante. Mais duas olhadas no relógio: 09, 10, 11.

Os tempos haviam sido difíceis, era verdade. Não sentia mais tanta vontade de brincar como antes, era verdade também, mas isso era diferente de tudo.

–Eu lembro... Era meio dia... Ele disse que voltaria...

A voz vinha da cabeça e tinha como endereço a própria cabeça. A criança apertava a nota contra os dedos. Seu corpo estava rígido. Olhava para o pátio rastreando qualquer coisa. Uma caneta perdida, a porta do banheiro aberta, a bola de vôlei. Qualquer coisa.

–Eu quero ir embora! Tá tarde...

16h34. Sentiu uma urgência de fazer algo. Pular o muro? Alto demais. A saída de carros? Fechava 12h00. Mas mesmo se saísse? Perambularia até sua casa? Não... Não iria... Sabia que ultimamente não tinha energia nem para correr no recreio, que dirá fazer todo o trajeto a pé.

Sua visão ficou turva. Não sentia fome, mas poderia estar há muito tempo sem comer. Não fazia sentido, como ninguém passava na rua? Como ninguém deu falta? Quanto mais pensava mais escura ficava sua visão. Sentia que o colégio estava sumindo pouco a pouco. Já não via as portas da sala de aula e do pátio restou apenas a metade. O lado de fora do portão se tornou um mundo à parte, distante e inatingível. Checou o relógio: 17h00.

–Agora eu... vou ter que ficar aqui?

–Amanhã todo mundo vai chegar.

–Amanhã?

Eles vão vir amanhã e tudo vai ficar bem.

–Amanhã?

–Amanhã...

Subitamente esta palavra lhe causou ânsia. 17h05. As entranhas foram se contorcendo e a palavra “amanhã” ecoava initerruptamente na cabeça da criança. Este impulso poderoso lhe fez se levantar e correr o mais rápido que pôde. Não tinha visão periférica, apenas borrões paralelos ao seu caminho que tinha a porta do banheiro como destino. Aos poucos o restante do pátio foi se tornando visível novamente, assim como a pia amarelada do banheiro.

Se debruçou sobre a pia, mas suas pernas cederam. Estava pendurado pelos braços quando preencheu a cuba de vômito. Sua visão se tornou ainda mais confusa e uma vertigem impediu qualquer clareza perceptiva. A cada movimento peristáltico pensamentos soltos se sobrepunha uns sobre os outros:

–Eu não podia...

–Tive que correr...

–Amanhã...

–Ninguém percebeu!

–Eu não quero ficar aqui...

–Cadê a profe?

–Ele não voltou.

–Cadê todo mundo.

–Eu não quero.

–Amanhã é muito longe!

O som do ponteiro do relógio se tornou alto suficiente para ser ouvido de onde estava. O odor era claro, mas em sua percepção o conteúdo era vermelho. O que estaria acontecendo? As batidas do coração criavam um ritmo único com as do relógio.

Se sentia fraco e agora nem seus braços poderiam mantê-lo em posição vertical. No chão tentou se arrastar até o portão. Tão distante, tão inalcançável. Sua mão direita, utilizando as ultimas forças, se esticava em direção às grades como se magicamente pudesse alcança-las sem precisar se deslocar.

Os sons se confundiam com as imagens. O solo do pátio era quente e áspero. Apenas um objetivo, apenas alguns metros, apenas mais um pouco de tempo, apenas mais um esforço. Contudo, foram apenas centímetros e logo a volição deixou seu corpo já bastante desgastado pelo momento. As piscadas foram se tornando longas e contínuas. Mais alguns centímetros e sentia o concreto ferir seus membros débeis.

Três toques do relógio, os derradeiros. Sua cabeça cedeu e encostou no calor do pátio do colégio.

A polícia chegou ao local combinado acompanhada do bedel que, apressado, mal conseguiu encontrar a chave certa em meio ao molho. Quando as grades finalmente se abriram, revelaram um menino deitado abaixo do relógio, há poucos passos do portão, sua cabeça estava voltada para o céu ensolarado. A camiseta de seu uniforme, antes branca, estava ensopada e se tornara rubra. Os ponteiros marcavam 13h30.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Plano Ω

Se entre as flores eu não puder estar é lá onde irei ficar,

Se entre os anjos não for meu lugar é exatamente lá onde irei morar.


Cansado de ser o rei de lugarnenhum, quero o repouso dos campos, o vento soprando brando.

Onde a paz exista por si só, onde o tempo não transcorre...

Se meus esforços forem em vão, então, não terão sido. 


Se nada mais for possível, que o castelo dos meus sonhos seja real.


"Como uma bússola, os ponteiros do relógio apontam para o fim de mais um dia".




sábado, 27 de agosto de 2022

É como se não fosse

 


-...real.

-É, mas como se não fosse?

-Isso. Como se o que eu quisesse não fosse, sei lá, importante. Como se fosse sempre um capricho de criança.

-Capricho... Logo você que disse tantas vezes aqui ser alguém caprichoso...

-Sim! Sim! Caprichoso! Nossa...

(silêncio)

-Mas quando eu capricho as coisas parecem reais. Digo, eu posso ser caprichoso escrevendo um texto no trabalho e isso parece realmente ser... Qual é a palavra? Importante! Só que quando se trata da minha vontade, não sei, parece sempre... bobo?

(silêncio)

-É como se fosse besteira... Por exemplo: se eu preciso escolher algo para comer, o fato de ser uma escolha minha... a sensação é estranha. Sempre que eu me vejo no lugar de exercer minha vontade pareço bobo, fico envergonhado de...

-De...?

-Ser...

-Ser... Como se não fosse... O que tem aqui?

-Acho que... parece uma história inventada, uma brincadeira com tempos verbais, uma história como essas que eu escrevo. E se eu escrevo não é real. É real, mas é como se não fosse, entende?

(silêncio)

-Explico: se o presente for uma invenção de algo escrito antes, não é, mas é como se fosse. É uma comparação com algo criado, não é real...

-Real?

-Genuinamente real.

-Escrito antes? Não entendo.

-Isso, na minha cabeça, aquilo foi escrito, pensado, imaginado, é uma ficção! Isso, uma ficção elaborada por mim! Então, quando eu chego no restaurante, é como se eu só encenasse minha história. Não sou eu pedindo, no presente, sou eu encenando na minha peça. Que vergonha, que besteira meu pedido!

-Hum. O que você esperava?

-Nem vem! Eu sei para onde você tá apontando, eu já te conheço! Não é esse o ponto. Veja: é sobre a minha experiência de sujeito, a forma como existo nesse mundo que me parece algo extremamente bobo. Não são todas as coisas, é o que eu quero, o que eu faço fora do cronograma do dia-a-dia. Os extras! É como se eles fossem banais demais, talvez nem dignos de serem feitos.

-Seu desejo não é, mas é como se fosse. Seu desejo é “bobo”. O que você tá fazendo com seu desejo?

-Como assim...? Diminuindo?

(silêncio)

-Não entendi.

(silêncio)

-Se meu desejo não vale tanto, eu não preciso levar ele tão a sério. É como eles diziam “você tá só inventando moda”, só o trabalho é sério, só o adulto é sério (risos). Mas como posso me levar a sério?! É como naquela frase da música “I’m just a boy playing the suicide king”. Então você quer que eu pare de usar essa lógica idiota que usei a vida inteira porque ela é uma desculpa para não bancar o que eu desejo?

-Que eu quero?

-Eu quero, não, é como se eu quise...

-(interrompendo) Vamos ficar por aqui.

 

Relato 76

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Cores


Sou chama que inflama a pele,

Sou onda que rebenta no cais,

Sou raiva que rasga e repele,

No fim, sou o início do “nunca mais”.

 

A cada tempo que toca (agonia)

Me sinto mais sedento e mais voraz.

Ah, se ao menos eu soubesse o que viria...

Sentado, não esperaria pelos presentes angelicais.

 

Sou simples, sou sutil,

Só nos sonhos alcanço a paz.

Lá reino a ruína de um país vil.

Tonto pela possibilidade do eterno ser capaz.

 

Mas acordo com a corda no pescoço.

Cai o castelo de horas atrás.

A rima retorna pro esboço.

Então, aquele que sou já não sou mais...

quarta-feira, 6 de julho de 2022

ELaboração

 




Dois elfos digladiam-se em meio a um vasto campo de batalha.

Movimentos rápidos e precisos. Saltos, piruetas...

Um voo rasante e o elfo mais velho acerta o outro que cai no chão.

Sua recuperação é rápida e a ponta de uma flecha caída ao seu lado serve de arma para uma investida feroz.

Punhos se trocam, se tocam e o cansaço diminui o ritmo da batalha.

Em um momento decisivo o mais novo começa a rir, desconcertando o outro.

-Por que faz isso, elfo?

-Eu não sei.

O elfo mais velho sai da posição de ataque e ambos pousam sob um escudo enferrujado.

O sol do meio dia é impiedoso e distorce o solo arenoso.

O elfo mais novo se deita sobre o escudo:

-Sabe, eu realmente não entendo essa guerra...

-Qual delas? A deles ou a nossa?

-Tanto faz, a guerra... Eu não sei, não deveria nem estar aqui.

-É fácil pra você falar, você não sabe como minha família é rígida com essa história de guerras...

-É... mas, sabe, de alguma forma eu... entendo... que te peguei desprevenido! Enquanto completava a frase jogou um punhado de poeira do escudo contra os olhos do elfo mais velho iniciando novo ataque.

-Você joga sujo! Disse o elfo enquanto tentava se defender. Por que você faz isso?

Enquanto desferia novos golpes, o elfo mais novo assumia uma fisionomia lúdica, quase infantil. Seus olhos, muito redondos, brilhavam, e um sorriso de malícia agora tomava conta de seu rosto.

Com um salto pra trás o mais velho pôde se proteger ao lado de um elmo. Rapidamente sumiu por detrás da velha armadura e então reapareceu, inesperadamente, acertando o outro elfo na cabeça.

-Isso doeu! Exclamou ele.

Enquanto isso, o elfo mais velho ia assumindo sua pose de vitória e, como um sinal de sua nobreza, logo estendeu à mão ao parceiro de combate. Este, por vez, recusou:

-Isso não é justo!

-O contra-ataque ou meu gesto de boa-fé?

-Tanto faz! Disse em tom jocoso. Por que você faz isso?

Nesse breve momento uma brisa passou por entre ambos e um aroma de flores chegou ao íntimo de suas mentes.

-Você sentiu isso?

-Isso, o que?

-Isso, sente... Disse o elfo mais velho franzindo o nariz. São girassóis, reconheceria em qualquer lugar.

O outro elfo se levantou e limpou as vestes há muito gastas devido à luta. Suas asas começaram a bater rapidamente.

-Onde você vai? Exclamou o elfo mais velho. O aroma te suscitou algo?

-Não é isso... Eu só, tenho que ir. Eu disse, não deveria estar aqui... Suas pequenas asas acinzentadas se abriam e fechavam em um ritmo hipnótico e o sorriso havia deixado seu rosto.

-Mas por quê? Retrucou novamente.

-Tenho muito a fazer... Neste momento seus olhos miravam o horizonte e então prosseguiu: É inútil... E antes que me pergunte por que já lhe respondo: É inútil porque uma luta cessa hoje e outra recomeça amanhã. Veja todos estes corpos, seria esse nosso fim?

-Não, não é, não seria e não foi.

-Você fala do tempo como se pudesse entendê-lo.

-Acha que não entendo? Dessa vez eram as asas do elfo mais velho que começavam a bater. Como uma mariposa, suas asas azuladas formavam um desenho ao se abrir, talvez um rosto sorridente ou um mostro aterrorizante, quem saberá dizer... E então voltavam a se fechar.

-Acho que você ficou tempo demais debaixo desse sol. Respondeu.

Ambos estavam preparados para voar e o elfo mais velho perguntou:

-Você não gosta do calor do sol?

-Ele me cega, distorce o espaço e o tempo... O tempo... É isso! Deu um sobressalto e seus olhos se arregalaram: Eu finalmente entendi o porquê.

De súbito suas pernas impulsionaram o voo, deixando um rastro acinzentado.

O elfo mais velho então gritou com a potência de quem tenta alcançar a altura das nuvens apenas com a força dos pulmões: onde você vai?

-Há muito que eu tenho que fazer. Porém havia dito em voz baixa, apenas para si, talvez não tivesse ar suficiente para projetar sua voz até o solo.

Enquanto voava veloz, uma mancha azul anil era vista em meio a uma de suas asas acinzentadas.

domingo, 20 de setembro de 2020

Quilômetros por hora


Você ligou o carro e tocou minha mão,

As malas ficaram em casa, esqueci.

Tudo que estava aqui começou a desaparecer.

Todo início parte de um "não"...


Estava eu no lugar do passageiro,

Você dirigia rápido,

E a viagem ao redor da lua durou 60 dias

Através da janela eu via o mundo inteiro:


Criança brincavam no parque, amigos a se encontrar,

Famílias emaranhadas em seus próprios nós...

Assim como eu, passageiro,

Tudo podia ver, mas nada podia ficar


Talvez precisasse descansar, talvez tivesse pressa.

Toda viagem parte de um "não"... Assim uma nova se inicia

Sigo rumo a terra prometida,

Logo eu que conheço o teor das promessas...

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Thule




Era um labirinto sem fim, ultima Thule.
Nele eu nasci, cresci, vagando por suas ruas, esgueirando pelos cruzamentos.
Crescido, acostumei com uma dúzia das mesmas paredes,
Estabeleci, para mim, um lugar conhecido.
Com o tempo o conhecido se tornou único, o labirinto se tornou caminho,
As paredes um abrigo. Encerrado nestas paredes, encontrei o fim.

Não era mais um labirinto, muito menos "sem fim", tudo se tornou conhecido.
Não mais vagava, mas andava firme. Passei a numerar as paredes, cada uma com um significado muito próprio. A 2 era o lugar do repouso, a 5 do lazer.
O corredor 4 levava à entrada e o 3 à saída.
Com o tempo experimentava certa alegria.
As paredes se tornaram uma casa. Vivendo nestas paredes, encontrei o fim.

Era um dia comum, passeava por minha morada, já não precisava mais prestar atenção por onde andava.
Distraído, tropecei em um pensamento, me deparei com um cruzamento.
Avancei, não era a 6 ou a 2. Comecei a vagar, rua após rua.
Era um labirinto sem fim, como poderia ter esquecido?
As paredes se tornaram partes das ruas, nada mais conhecido, não havia mais começo, não havia mais fim.

Era um labirinto sem fim, ultima Thule.
Nele eu nasci, cresci, vagando por suas ruas, esgueirando pelos cruzamentos.
Crescido, acostumei com uma dúzia das mesmas paredes,
Estabeleci, para mim, um lugar conhecido.
Com o tempo o conhecido se tornou único, o labirinto se tornou caminho,
As paredes um abrigo. Encerrado nestas paredes, encontrei o fim...